O café segundo J. S. Bach (I)
Sabe-se quão profundamente a cidade alemã de Leipzig está ligada à música: aqui nasceram Clara Schumann e Richard Wagner, aqui viveram Felix Mendelssohn Bartholdy e Johann Sebastian Bach. Esta matriz musical é visível na própria fisionomia da cidade. A praça principal, o Augustusplatz, é contida nos seus amplos limites - é uma das maiores praças da Alemanha - por duas referências musicais da cidade, a ópera e a sala de concertos, o Gewandhaus de Leipzig.
À casa de Clara e Robert Schumann na Inselstrasse 18, onde o casal viveu durante os primeiros anos de casamento, e à casa-museu de Mendelssohn na Goldschmidstrasse 12 (antiga Königstrasse), onde Mendelssohn viveu e morreu, junta-se desde Março de 2010 o Museu Bach, em frente da Thomaskirche. Nesta belíssima igreja gótica foi Bach Thomaskantor, director do coro da igreja, e responsável pela música das quatro principais igrejas da cidade, e pela composição e apresentação de uma cantata todos os domingos e feriados.
J. S. Bach viveu em Leipzig desde Maio de 1723 até à sua morte em 1750 e está sepultado na Thomaskirche, na área do altar. Quem entra fica impressionado com o tamanho da abóbada da igreja, a que se deve, ao que dizem, a acústica deste espaço, e com a tensão entre a área do altar e a área diametralmente oposta, onde está situado o órgão principal, já que parece ser este o verdadeiro centro da igreja. Nos fins-de-semana e feriados há concertos à tarde e à noite, aos domingos a música é parte integrante do serviço litúrgico. Quando o recinto da igreja está cheio, a assistência é de 1.500 pessoas, e está sempre cheio. Ainda hoje a Thomaskirche é um dos centros musicais da cidade, provavelmente o mais concorrido e popular.
Bach dirigiu também, de 1729 até pelo menos 1741, o Collegium musicum, fundado por Telemann, e foi para este conjunto estudantil que escreveu alguma da sua música profana, como a Kaffeekantate. Estas composições são semelhantes, do ponto de vista da estrutura, à ópera, e ilustram a faceta mais humorística de Bach. A Kaffeekantate terá sido estreada no Café Hauss, na Katharinenstrasse 14 (o edifício foi destruído durante a 2ª Grande Guerra). Aí se davam à noite concertos que são bem prova da exigência musical da burguesia emergente na cidade de Leipzig.
Bach dirigiu também, de 1729 até pelo menos 1741, o Collegium musicum, fundado por Telemann, e foi para este conjunto estudantil que escreveu alguma da sua música profana, como a Kaffeekantate. Estas composições são semelhantes, do ponto de vista da estrutura, à ópera, e ilustram a faceta mais humorística de Bach. A Kaffeekantate terá sido estreada no Café Hauss, na Katharinenstrasse 14 (o edifício foi destruído durante a 2ª Grande Guerra). Aí se davam à noite concertos que são bem prova da exigência musical da burguesia emergente na cidade de Leipzig.
Se, tal como propõe Hans-Joachim Schulze no seu livro sobre a Kaffeekantate, lermos nos objectos domésticos referidos na relação de bens deixados por Bach, após a sua morte em 1750, um testemunho da vida familiar do compositor, então a composição terá sido também uma "sinfonia domestica", já que no rol havia várias cafeteiras a comprovar como a família Bach terá apreciado beber café.
O "drama per musica" conhecido como Kaffeekantate intitulava-se originalmente Schlendrian und seine Tochter Liesgen e consta de um diálogo entre estas duas personagens, precedidas por uma espécie de apresentador / narrador que ordena aos espectadores que se calem - daí o nome desta cantata BWV 211 "Schweiget still! Plaudert nicht". O libretista foi Picander, pseudónimo de Christian Friedrich Henrici, com quem Bach costumava trabalhar (A Paixão segundo S. Mateus é o seu libreto mais conhecido). O libreto para a Kaffeekantate terá surgido em 1732. Não terá sido o único nem o primeiro a versar o tema do café: já em 1703 o compositor francês Nicolas Bernier tinha publicado uma cantata, Le Caffé, e na Alemanha tinha sido antecedido por duas outras composições, a cantata Lob des Coffee de 1716, de J. C. Krause, e uma outra cantata do café, de 1728, de Daniel Stoppe.
Duas personagens em cena, um pai muito zangado e uma filha muito persistente. O pai censura a filha por lhe desobedecer e não satisfazer o seu desejo de que ela deixe de beber café, ao que a jovem responde que não pode passar sem a sua chávena de café três vezes por dia. Não resisto a parafrasear o resto do diálogo: Schlendrian diz a Liesgen que, se ela não desistir do café, deixará de ter autorização para ir a casamentos ou passeios, ao que ela responde que está bem, desde que possa ter o seu café. O pai diz-lhe então que ela terá de passar sem aquela saia que tanto queria, e sem os adornos de prata e oiro para o chapéu, e que a proibirá de estar à janela, ao que responde que não se importa com nada, desde que possa beber o seu café. Finalmente o pai, cansado e irritado, comunica a Liesgen que ela terá de prescindir de casar. Liesgen pensa melhor e responde que, sendo assim, terá - embora muito contrariada - de dizer adeus ao café. O pai dá-lhe então licença para ter um marido.
Mas a história não acaba aqui, pois Liesgen logo faz constar por toda a cidade que o pretendente que quisesse apresentar-se teria de prometer por escrito, no contrato de casamento, autorizar Liesgen a tomar café quando ela muito bem desejasse.
(a continuar)
Bibliografia:
Hans-Joachim Schulze, Ey! Wie schmeckt der Coffee Süße. Johann Sebastian Bachs Kaffeekantate. Evangelische Verlagsanstalt Leipzig, 2006.
Imagens reproduzidas a partir do mesmo título bibliográfico, ilustrações de Christiane Knorr.