Monday, December 12, 2011







Saint-Exupéry, Terre des Hommes e a experiência do fim



Tenho estado a ler/reler toda a obra de Antoine de Saint-Exupéry e gostava de partilhar com os leitores alguns textos em que o aviador/escritor fala de experiências extremas, quando pensava ter chegado ao fim e não havia qualquer vislumbre de esperança. Aconteceu-lhe a primeira vez em 1935, no deserto da Líbia, quando tentava bater o recorde da ligação Paris-Saigão e foi obrigado a fazer uma aterragem de emergência a 200 quilómetros do Cairo, perto de Wadi El Natrun e do delta do Nilo.



"O deserto? Foi-me dado conhecê-lo um dia através do coração. Durante um voo conjunto para a Indochina, em 1935, encontrei-me no Egipto, próximo da fronteira com a Líbia, prisioneiro das areias como de uma substância viscosa, e julguei que era o fim. Eis a história." (Antoine de Saint-Exupéry, Terra dos Homens, Mem Nartins: Europa-América, 1995, p. 74, trad. de Maria Georgina Segurado; citações desta edição).

"Le désert? Il m'a été donné de l'aborder un jour par le coeur. Au cours d'un raid vers l'Indochine, en 1935, je me suis retrouvé en Égypte, sur les confins de la Libye, pris dans les sables comme dans une glu, et j'ai cru en mourir. Voici l'histoire." (Antoine de Saint-Exupéry, Terre des Hommes, in: A.S-E., Oeuvres. Paris: Gallimard, 1959, p. 209).

Nenhum dos dois tripulantes sabia ao certo onde se encontram, nem Saint-Ex nem o mecânico, André Prévot, e a primeira reacção é dizerem que é um milagre incrível estarem vivos: "enquanto durmo, faço o balanço da nossa aventura: ignoramos tudo a a respeito da nossa posição. Não temos sequer um litro de líquido." (p. 83).

"Je fais en m'endormant le bilan de notre aventure: nous ignorons tout de notre position. Nous n'avons pas un litre de liquide." (p. 219)

"Vem-me à lembrança aquilo que sei sobre o deserto da Líbia. Predominam no Sara 40% de humidade, quando ela desce aqui aos 18%. E a vida evapora-se como um vapor. Os Beduínos, os viajantes, os oficiais coloniais, ensinam que se aguenta dezanove horas sem beber. Passadas vinte, os olhos enchem-se de luz e é o começo do fim: o percurso da sede é fulminante." (p. 88-9)

"Il me revient à la mémoire ce que je sais du désert de Libye. Il subsiste, dans le Sahara, 40 pour cent d'humidité, quand elle tombe ici à 18 pour cent. Et la vie s'évapore comme une vapeur. Les Bédouins, les voyagers, les officiers coloniaux, enseignent que l'on tient dix-neuf heures sans boire. Après vingt heures les yeux se remplissent de lumière et la fin commence: la marche de la soif est foudroyante." (p. 225)

"Ontem caminhei sem esperança. Hoje, essas palavras perderam o sentido. (...)
O deserto sou eu. Já não formo mais saliva, mas também já não formo as doces imagens que me teriam levado a gemer. O sol secou em mim a fonte das minhas lágrimas.
E no entanto, o que detectei? Um sopro de esperança que passou por mim como um pé de vento sobre o mar. Qual o sinal que acaba de alertar o meu instinto antes de me atingir a consciência? Nada mudou e, no entanto, tudo está mudado. Este lençol de areia, estes outeiros e estas ligeiras manchas de verdura já não constituem a paisagem, mas uma cena. Uma cena ainda vazia, mas a postos. (...)
Juro-vos que se vai passar algo.
Juro-vos que o deserto ganhou vida. Juro-vos que esta ausência, que este silêncio são bem mais comoventes do que um tumulto em praça pública..." (p. 102)

"Hier, je marchais sans espoir. Aujourd'hui, ces mots ont perdu leur sens. (...)
Le désert, c'est moi. Je ne forme plus de salive, mais je ne forme plus, non plus, les images douces vers lesquelles j'aurais pu gémir. Le soleil a séché en moi la source des larmes.
Et cependant, qu'ai-je aperçu? Un souffle d'espoir a passé sur moi comme une risée sur la mer. Quel est le signe qui vient d'alerter mon instinct avant de frapper ma conscience? Rien a changé, et cependant tout a changé. Cette nappe de sable, ces tertres et ces légères plaques de verdure ne composent plus un paysage, mais une scène. Une scène vide encore, mais toute préparée. (...)
Je vous jure qu'il va se passer quelque chose...
Je vous jure que le désert s'est animé. Je vous jure que cette absence, que ce silence sont tout à coup plus émouvants qu'un tumulte de place publique..." (p. 240-1)


Imagens:
1., Tarfaya, Cap Juby, Marrocos, monumento de homenagem a Antoine de Saint-Exupéry

2., deserto do Saara

3., Wadi El Natrun