Tuesday, December 13, 2011





Saint-Exupéry, Pilote de guerre e a experiência do fim



Pilote de guerre aparece em língua inglesa em Fevereiro de 1942 sob o título Flight to Arras. A edição é proibida em França pelas autoridades alemãs de ocupação. Tal como os outros livros que escreveu de teor autobiográfico, este romance relata as experiências do autor como piloto de reconhecimento de 1939 a 1940 em França. A situação extrema que vive e presencia - um país ocupado, um exército sem capacidade para lutar, uma sociedade em debandada, torna este texto, que não relata nada sobre a Resistência francesa, um romance de resistência, como bem observa Brigitte Burmeister no posfácio à edição da RDA das obras completas de Saint-Exupéry publicada em 1985. Eis o passo de Pilote de guerre que gostaria de destacar hoje:


"Si maintenant j'espère, quand ils semblent désespérer, je ne m'en distingue pas non plus. Je suis simplement leur part d'espoir. Certes, nous sommes déjà vaincus. Tout est en suspens. Tout s'écroule. Mais je continue d'éprouver la tranquillité d'un vainqueur. Les mots sont contradictoires? Je me moque des mots. (...) Nous ne disposons d'aucun langage pour justifier notre sentiment de victoire. Mais nous nous sentons responsables. Nul ne peut se sentir, à la fois, responsable et désespéré.
Défaite... Victoire... Je sais mal me servir de ces formules. Il est des victoires qui exaltent, d'autres qui abâtardissent. Des défaites qui assassinent, d'autres qui réveillent. La vie n'est pas énonçable par des états, mais par des démarches. La seule victoire dont je ne puis douter est celle qui loge dans le pouvoir des graines. Plantée la graine, au large des terres noires, la voilà déjà victorieuse. Mais il faut dérouler le temps pour assister à son triomphe dans le blé.
Il n'était rien ce matin qu'une armée démantibulée et une foule en vrac. Mais une foule en vrac, s'il est une seule conscience où déjà elle se noue, n'est plus en vrac. Les pierres du chantier ne sont en vrac qu'en apparence, s'il est, perdu dans le chantier, un homme, serait-il seul, qui pense cathédrale. Je ne m'inquiète pas du limon épars s'il abrite une graine. La graine le drainera pour construire.
Quiconque accède à la contemplation se change en semence. Quiconque découvre une évidence tire chacun par la manche pour la lui montrer. Quiconque invente prêche aussitôt son invention. (...) J'entrevois mieux le principe des victoires: celui-là qui s'assure d'un poste de sacristain ou de chaisière dans la cathédrale bâtie, est déjà vaincu. Mais quiconque porte dans le coeur une cathédrale à bâtir, est déjà vainqueur. La victoire est fruit de l'amour. L'amour reconnaît seul le visage à pétrir. L'amour seul gouverne vers lui. L'intelligence ne vaut qu'au service de l'amour." (Antoine de Saint-Exupéry, Pilote de guerre, in: A.S-E., Oeuvres. Paris: Gallimard, 1959, p. 364-5, sublinhado meu)

Monday, December 12, 2011







Saint-Exupéry, Terre des Hommes e a experiência do fim



Tenho estado a ler/reler toda a obra de Antoine de Saint-Exupéry e gostava de partilhar com os leitores alguns textos em que o aviador/escritor fala de experiências extremas, quando pensava ter chegado ao fim e não havia qualquer vislumbre de esperança. Aconteceu-lhe a primeira vez em 1935, no deserto da Líbia, quando tentava bater o recorde da ligação Paris-Saigão e foi obrigado a fazer uma aterragem de emergência a 200 quilómetros do Cairo, perto de Wadi El Natrun e do delta do Nilo.



"O deserto? Foi-me dado conhecê-lo um dia através do coração. Durante um voo conjunto para a Indochina, em 1935, encontrei-me no Egipto, próximo da fronteira com a Líbia, prisioneiro das areias como de uma substância viscosa, e julguei que era o fim. Eis a história." (Antoine de Saint-Exupéry, Terra dos Homens, Mem Nartins: Europa-América, 1995, p. 74, trad. de Maria Georgina Segurado; citações desta edição).

"Le désert? Il m'a été donné de l'aborder un jour par le coeur. Au cours d'un raid vers l'Indochine, en 1935, je me suis retrouvé en Égypte, sur les confins de la Libye, pris dans les sables comme dans une glu, et j'ai cru en mourir. Voici l'histoire." (Antoine de Saint-Exupéry, Terre des Hommes, in: A.S-E., Oeuvres. Paris: Gallimard, 1959, p. 209).

Nenhum dos dois tripulantes sabia ao certo onde se encontram, nem Saint-Ex nem o mecânico, André Prévot, e a primeira reacção é dizerem que é um milagre incrível estarem vivos: "enquanto durmo, faço o balanço da nossa aventura: ignoramos tudo a a respeito da nossa posição. Não temos sequer um litro de líquido." (p. 83).

"Je fais en m'endormant le bilan de notre aventure: nous ignorons tout de notre position. Nous n'avons pas un litre de liquide." (p. 219)

"Vem-me à lembrança aquilo que sei sobre o deserto da Líbia. Predominam no Sara 40% de humidade, quando ela desce aqui aos 18%. E a vida evapora-se como um vapor. Os Beduínos, os viajantes, os oficiais coloniais, ensinam que se aguenta dezanove horas sem beber. Passadas vinte, os olhos enchem-se de luz e é o começo do fim: o percurso da sede é fulminante." (p. 88-9)

"Il me revient à la mémoire ce que je sais du désert de Libye. Il subsiste, dans le Sahara, 40 pour cent d'humidité, quand elle tombe ici à 18 pour cent. Et la vie s'évapore comme une vapeur. Les Bédouins, les voyagers, les officiers coloniaux, enseignent que l'on tient dix-neuf heures sans boire. Après vingt heures les yeux se remplissent de lumière et la fin commence: la marche de la soif est foudroyante." (p. 225)

"Ontem caminhei sem esperança. Hoje, essas palavras perderam o sentido. (...)
O deserto sou eu. Já não formo mais saliva, mas também já não formo as doces imagens que me teriam levado a gemer. O sol secou em mim a fonte das minhas lágrimas.
E no entanto, o que detectei? Um sopro de esperança que passou por mim como um pé de vento sobre o mar. Qual o sinal que acaba de alertar o meu instinto antes de me atingir a consciência? Nada mudou e, no entanto, tudo está mudado. Este lençol de areia, estes outeiros e estas ligeiras manchas de verdura já não constituem a paisagem, mas uma cena. Uma cena ainda vazia, mas a postos. (...)
Juro-vos que se vai passar algo.
Juro-vos que o deserto ganhou vida. Juro-vos que esta ausência, que este silêncio são bem mais comoventes do que um tumulto em praça pública..." (p. 102)

"Hier, je marchais sans espoir. Aujourd'hui, ces mots ont perdu leur sens. (...)
Le désert, c'est moi. Je ne forme plus de salive, mais je ne forme plus, non plus, les images douces vers lesquelles j'aurais pu gémir. Le soleil a séché en moi la source des larmes.
Et cependant, qu'ai-je aperçu? Un souffle d'espoir a passé sur moi comme une risée sur la mer. Quel est le signe qui vient d'alerter mon instinct avant de frapper ma conscience? Rien a changé, et cependant tout a changé. Cette nappe de sable, ces tertres et ces légères plaques de verdure ne composent plus un paysage, mais une scène. Une scène vide encore, mais toute préparée. (...)
Je vous jure qu'il va se passer quelque chose...
Je vous jure que le désert s'est animé. Je vous jure que cette absence, que ce silence sont tout à coup plus émouvants qu'un tumulte de place publique..." (p. 240-1)


Imagens:
1., Tarfaya, Cap Juby, Marrocos, monumento de homenagem a Antoine de Saint-Exupéry

2., deserto do Saara

3., Wadi El Natrun

Sunday, December 11, 2011



Festival Kurt Weill 2012 em Dessau







Em 2011 o Festival Kurt Weill homenageou a cidade de Berlim no percurso do compositor alemão. Depois do sucesso de "Berlim iluminada" ("Berlin im Licht"), em 2012 será Paris o tema do Festival ("Homenagem a Paris"), recordando a passagem de Weill por essa cidade. O 20º Festival Kurt Weill na cidade natal do compositor, Dessau, perto de Berlim, cidade importante também pela permanência do movimento "Bauhaus", propõe para 2012 uma homenagem aos dois anos que Weill passou em Paris, de 1933 a 1935. Weill fugia da perseguição nazi mas, tal como os anos de Berlim, também estes dois anos em Paris foram especialmente produtivos. De Paris data, em especial, a peça Marie Galante, da qual recordamos uma canção na interpretação de Teresa Stratas (do belo documentário September Songs de Larry Weinstein, 1994, vd. em baixo o cartaz), e o bailado Die sieben Todsünden. A estadia em Paris teve importância e repercussão duradoura na produção de Kurt Weill, em especial pelo diálogo com outros intelectuais e compositores, como Darius Milhaud. O Festival apresenta, entre 24 de Fevereiro e 11 de Março de 2012, uma variedade de espectáculos na cidade alemã de Dessau - valerá a pena a visita.






Pode ver a versão de Marie Galante em filme aqui

Pode consultar o programa do Festival Kurt Weill aqui